segunda-feira, 4 de julho de 2011

COISAS DE MÃE: O microondas, a minha mãe e o telefone



Na minha infância, não tínhamos celular, muito menos mp3. A moda era o diskman, aquele trambolho que a gente levava uma penca de CD's junto. Outra onda era o ICQ pela internet discada, que a molecada só podia usar depois da meia-noite, porque era mais barato. A cada ano que passava, algo novo aparecia. Era videogame, computador, a febre do bichinho virtual, que minha mãe não entendia como era possível alimentar algo que não existe, muito menos como dar banho no mascotinho feito de pontinhos em uma tela minúscula.

O tempo passa, as coisas evoluem e as pessoas se adaptam, ou não. Minha mãe é um exemplo vivo disso. Ela é da época que mulher não usava calças, que o maior avanço tecnológico foi a invenção da máquina de lavar e do ferro de passar roupas.

Ela sempre teve um problema sério em se adaptar as novidades tecnológicas. Se o aparelho tivesse mais de dois botões, era impossível. A primeira tentativa frustrada foi ensiná-la a usar o celular. Depois de muito tentar, a aparelhinho acabou sendo engavetado. O máximo que conseguimos foi fazê-la usar o telefone sem fio, porque ou era ele, ou nada.

Outro problema sério, foi o maldito DVD. Não houve criatividade e talento suficiente para ensiná-la a usar o aparelho. A solução apareceu com o nascimento do meu sobrinho. Aos três anos de idade, o pequeno já sabia usar todos os eletrônicos existentes em casa e, consequentemente, acabou como ajudante da Vó. Mas o problema voltava quando o baixinho estava de férias e passava longos dias passeando. E foi em um dia desses que minha mãe resolveu comprar um microondas novo, um dos poucos aparelhos que ela sabia usar. Quando ele chegou, mais uma vez, foi dada uma aula intensiva de como ligar e desligar o eletrodoméstico. Fácil, ou pelo menos deveria ser.

Um dia, logo pela manhã, recebo a ligação enfurecida de minha mãe. Como ela é uma mulher objetiva, não teve nem uma singela saudação. Ela foi logo ao assunto.

            - Essa porcaria não presta. Não liga.

Claro que demorei um pouco pra entender do que ela falava. E claro que ela se estressou deveras com isso. A final, eu passei nove meses dentro da barriga dela e deveria saber ler seus pensamentos.

            - Mãe, microondas é tudo igual. E ele não está quebrado, eu usei antes de sair.
            - Então está com defeito.

Ao fundo da ligação, eu escutava um apertar desesperado de botões. Pensei como o Inmetro adoraria contratá-la para testar os produtos. Com muita paciência e da forma mais delicada eu continuei a conversa.

          - É só a senhora não apertar o botão vermelho.
          - Que botão vermelho?
          - Esse que a senhora não para de apertar. Ele é pra interromper.
          - "Ah tá". Por isso que não funciona. Mas essa porcaria de botão está no lugar errado. Era pra estar do outro lado.

Depois disso, comecei a me preocupar. Seria possível que minha mãe fosse daltônica? Mas a preocupação foi momentânea. Afinal, eu achava que o problema havia se resolvido. Doce ilusão. Alguns minutos mais tarde, ela retorna ainda mais enfurecida e desesperada.

            - Essa porcaria não quer parar!!!

   São em momentos como este que me questiono por que não entrei no yoga. Nem Ghandi teria tanta paciência.

            - Quantos minutos a senhora colocou?
            - E como eu vou saber? Fui apertando até ele ligar.
            - É só apertar o botão vermelho.
            - Mas você disse pra não apertar.
            - APERTA!!!
            - Não precisa gritar, não sou surda. Estou apertando mas não funciona.

Isso era um prova de paciência. Como eu poderia achar que eu seria capaz de ensinar alguma coisa pra minha mãe pelo telefone? De repente, me lembrei de que talvez ela fosse daltônica.

            - Mãe, é o botão do outro lado.
            - Mas eu apertei tudo.
            - Então tira da tomada.

Eu tenho certeza que ela não apertou o botão vermelho. Mas não ia me estressar ainda mais. Ela era a senhora do "Eu sei o que estou fazendo", então resolvi esquecer. Mas a curiosidade começou a coçar e quando ela aparece, não tem como ignorá-la.

            - Mãe. O que a senhora colocou no microondas?
            - Pipoca.
            - Queimou?
            - Você não está vendo não? A cozinha inteira esta cheirando queimado.

Ai meu Deus! Esqueceram de avisar que não da pra ver nada pelo telefone. Ou será que meu irmão tentou ensinar ela a usar o Skype e agora ela acha que o telefone tem vídeo?

   Como todo brasileiro, eu não desisto nunca, tentei dar a última aula de como usar o microondas.

            - A senhora esta vendo um desenho de uma pipoquinha perto do painel?
            - Estou.
            - Então, era só apertar essa pipoquinha e o botão verde. Pronto. Não tinha que fazer mais nada.

Acho que esse foi a última gota para minha mãe. Eu juro que consegui ver a reação dela, suspirando bem fundo, fechando os olhos, olhando para o fone e berrando comigo.

             - E por que você não falou antes? Não tá vendo a porquice que ficou a cozinha? Agora eu tenho que deixar a casa inteira aberta pra sair o cheio. Porca miséria, nem pra me ajudar direito. Por isso que eu não uso essa porcaria. Era mais fácil fazer na panela. Não sei porque eu comprei esse trambolho.

   Claro que eu não abri mais a boca. Vai que eu chegasse em casa e ela me recebesse com o microondas na cabeça. 

Por isso que eu digo, não adianta ensinar, quando a pessoa teima em não aprender. A solução é uma criança jovem dentro de casa, pra evitar essas tragédias.

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